Este livro é uma obra prima, resultado de anos de pesquisa, e foi transformado em capítulos de minissérie documental. Felizmente, a produção está disponível gratuitamente no YouTube, em português (Episódios 1, 2, 3, 4 e 5). Havendo interesse em aprender mais sobre o mercado financeiro, sugiro trocar uma semana de suas sessões de Netflix pelos episódios, a quantidade de conteúdo apresentado vale o esforço. Mas, se você é como eu e prefere ler, confira a disponibilidade do livro em bibliotecas que tem acesso ou adquira a obra (encontre o link no final da resenha).
Logo na introdução, Niall Ferguson, renomado historiador e professor em Harvard e Oxford, apresenta três insights:
A pobreza não resulta da exploração financeira, a ausência de instituições dessa natureza é mais prejudicial;
O capital aumenta as possibilidades de ações exageradas, pois é um recurso mais rentável e mais instável do que o trabalho;
A evolução das finanças é resultado de um processo histórico acelerado da humanidade. Esse caminho percorrido é o objeto central do livro.
A ganância é inerente ao homem. Não faltam episódios históricos motivados por essa força: expedições marítimas, guerras, pesquisas científicas etc. O mercado financeiro é mais um instrumento resultante disso. Os Médici foram os precursores do que hoje conhecemos como mercado financeiro, uma vez que ofereciam um serviço essencial para expansão geográfica do comércio: negociação de moedas estrangeiras e oferta de crédito.
Até o final do século XIX, a emissão monetária era restrita e a poupança, a principal fonte abastecedora do crédito. Os bancos recolhiam os depósitos dos poupadores – lastreados por metais preciosos – e ofereciam crédito aos investidores, cobrando um preço pelo serviço: os juros. Para os poupadores, os bancos eram um guardião de sua riqueza; para os tomadores de empréstimos, fornecedores de crédito.
Depois da consolidação do mercado bancário de câmbio e crédito, a popularização das negociações de títulos foi o segundo fenômeno relevante destacado pelo autor. Surgiram as ofertas de crédito não bancárias, ou seja, oferecidas por empresas e governos na forma de contratos de direitos (valores mobiliários). Simplificando, a oferta de crédito ganhou novos “competidores” e deixou de ser controlada apenas pelos bancos. Com isso, a taxa de juros – entendida aqui como preço dos serviços de crédito – ficou mais acessível.
Outro efeito do crescimento do mercado de crédito foi a preocupação com o risco. Bancos, por serem instituições bem consolidadas, transmitiam confiança. As empresas emissoras de títulos precisavam provar para o mercado que tinham condições de cumprir com as obrigações assumidas. Por sua vez, os governos ofereciam garantias maiores para seus papéis, em grande medida por controlarem a emissão de moeda. Por isso, os títulos públicos desde sempre são considerados títulos de baixo risco e passaram a ser referência para taxa básica de juros.
Aqui cabe uma breve explicação: quanto maior o risco, maior a taxa de juros exigida pelos compradores de títulos. Se os títulos públicos oferecem risco próximo a zero e pagam “x” de juros, nenhum agente racional vai aceitar uma taxa menor de outro emissor que possui maior risco, porque não pode emitir moeda, como os governos.
Mas será que os governos são agentes tão confiáveis assim?
É certo que não. O mercado financeiro logo percebeu isso. Quando nações entravam em guerra ou passavam por processos revolucionários, a solvência dos governos (capacidade de pagamento) era prejudicada. Quando as autoridades públicas emitem moeda desregulamente para pagar suas obrigações, a inflação aumenta e toda economia sofre prejuízos (capacidade de consumo reduzida, porque o poder de compra da moeda cai).
Por isso, a necessidade de controlar a gestão financeira dos governos ganhou importância. A ideia de fiscalização do dinheiro público e obrigação de prestação de contas (accountability) é efeito dessa necessidade.
A Revolução Gloriosa (1688-89), as Guerras de Independência das colônias (Século XVIII e XIX), as I e II Guerras Mundiais (1914-18 e 1939-45), todas foram “freios” para o avanço do mercado financeiro, pois aumentaram o risco e a incerteza nas negociações, no comércio e na produção em geral. Empreender – no sentido de tomar empréstimos para realizar investimentos produtivos – tornou-se muito arriscado. No caso de um conflito ou instabilidade política, tudo seria perdido.
Para reduzir riscos em negociações surgiu a lex mercatoria, ainda na Idade Média, primórdio do Direito Comercial. A princípio, essas normas comerciais foram desenvolvidas pelos próprios comerciantes, sem uma autoridade centralizada. Ela estabeleceu procedimentos padronizados para solução de eventos não esperados: sistema de árbitros, seguros, sistemas de responsabilidade limitada e outros costumes que permitiam o funcionamento mais eficiente do comércio.
Quanto mais o mercado financeiro se expandia, mais a lex mercatoria era usada para celebração de contratos. As regulamentações do mercado financeiro surgiram por iniciativa dos próprios comerciantes, não foram resultado da imposição de autoridades políticas centralizadoras.
Os benefícios trazidos por esse sistema foram percebidos pelos agentes políticos. A regulamentação minimizava os riscos. Os sistemas de seguros permitiam garantir uma proteção para o futuro, tanto no caso de eventos não esperados, como para eventos já conhecidos (velhice e restrição da capacidade de gerar renda). A princípio os contratos de seguro e previdência eram restritos para os agentes internos ao mercado financeiro – comerciantes que desenvolveram inicialmente a lex mercatoria. Com o intuito de tornar esses benefícios acessíveis para sociedade geral, governos passaram a desenvolver sistemas de seguridade social. Bismarck, na Alemanha, foi pioneiro nesse esforço de ampliação do bem-estar pela previdência.
Além de seguros e previdências, o mercado financeiro criou outros instrumentos de gestão de riscos. Dentre eles, os contratos futuros merecem destaque. Para evitar a vulnerabilidade frente a flutuação de preços, vendedores e compradores de ativos fixam contratos no presente para realização de negócios no futuro, a um preço preestabelecido. Ou seja, um vendedor de café se compromete a vender uma determinada quantidade ao valor “x” para o comprador em 6 meses após a data da negociação Se o valor do café aumentar ou diminuir, isso não influencia o preço acordado previamente. O vendedor pagará exatamente “x” pelo café, no limite das quantidades definidas. Desses arranjos, surgiram as opções, outra espécie de valor mobiliário muito negociada atualmente nas bolsas de valores.
Além de commodities, qualquer ativo pode ser objeto de lastro para valores mobiliários (títulos). Inclusive empréstimos. A crise do mercado imobiliário de 2008 foi decorrente principalmente do comércio exponencial de papéis lastreados em empréstimos de alto risco.
O ciclo abaixo resume esse fenômeno:
Bancos cobram juros altos de tomadores de empréstimo de elevado risco;
Entretanto, os bancos não desejam esperar até a quitação da dívida para recuperar o dinheiro;
Por isso, vendem o direito de parte da taxa de juros que prevê receber no mercado financeiro, em forma de títulos;
Os títulos emitidos pelos bancos e lastrados nos empréstimos (garantidos pela promessa de pagamento do cliente do banco) circulam no mercado financeiro como se dinheiro fossem, em uma série de negociações;
Quando o tomador de empréstimo não consegue pagar o banco, ele consequentemente deixa de pagar o título emitido;
Nesse momento, tal título já passou por várias pessoas, em operações de compra e revenda do papel.
Em outras palavras, na hora de trocar o título por “dinheiro de verdade”, ele não existe. Todas as negociações realizadas na expectativa desse pagamento são frustradas e o mercado entra em crise.
Essa breve apresentação não contempla todo o conteúdo do livro, que aprofunda mais conceitos e oferece análises críticas e extensas sobre a origem dos principais instrumentos financeiros existentes atualmente. Espero que este post estimule você a assistir o documentário e ler a obra.
Para finalizar, trago o parágrafo final do autor, que, para mim, consolida as principais discussões trazida pela obra:
FERGUSON, Niall. A Ascesão do Dinheiro. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.
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