Afinidade é uma coisa rara. Relacionar-se com pessoas é sempre um desafio, especialmente quando há mais divergências do que convergências. Porém, apesar de desafiador, também é uma das melhores experiências da vida: encontrar genuína afinidade com outros, compartilhar interesses, criar vínculos, amar e ser amado.
Pra mim, interações sociais e criar novos relacionamentos são atividades difíceis. Entretanto, sei que não estou sozinha nisso. A trilogia "Before Sunset" reúne alguns dos filmes que mais gosto. Celine é uma personagem bem parecida comigo. Várias das citações do filme tiveram grande impacto em mim. Especialmente essa:
Tive o privilégio de encontrar "almas afins", realmente inspiradoras. Como é típico da vida, olhando em retrospecto, apenas reconheci isso tarde demais. Na tentativa de lidar com esse misto de gratidão e arrependimento, escrevendo é como melhor me expresso. Escrevi uma carta cuja destinatária não possui endereço postal. Então compartilho aqui, na expectativa vã de que, de alguma forma, ela seja entregue.
Família a gente não escolhe, tentamos aceitar e aprendemos a amar. Ter uma família é um privilégio, ainda que venham com alguns “porém”. Tal sorte eu tive, ainda assim não fiquei imune às intrigas. Quando criança, sua casa era o meu lugar preferido; a senhora, a melhor companhia. Você foi a primeira pessoa com quem desenvolvi uma conexão especial, genuína, a primeira “alma gêmea”, sem o sentido romântico que a expressão carrega.
Lembrar dos momentos que vivemos juntas faz eu, uma mulher forte e independente do Século XXI (como gosto de me definir... ou, pelo menos, iludir), encher os olhos de lágrimas. Ah! Essa época! Uma das melhores fases que vivi, com certeza. Éramos família, unidas pelo sangue, mas a afinidade que tínhamos não é nada comum, hoje eu sei. Mesmo assim, magoei você e nunca tive a chance de me desculpar.
Não foi nada do que fiz nem do que disse. A vida seguiu um caminho que nos distanciou. Enquanto precisava me proteger de pessoas que você amava, tanto ou mais do que a mim, a escolha que sobrou foi a mais cruel. O amor que vinha de você era mais forte, quiçá mais experiente, que o meu. Ele aguentava ataques violentos, que ainda não aprendi a suportar. A pureza do que dividimos não resistiu a sujeira que vinha de fora, fomos contaminadas.
Agora é tarde. Em meio a ternura das boas lembranças, guardo a dureza do arrependimento. Você é parte do que há de melhor em mim, vovó. “Esses casos de família e dinheiro”, nas palavras de Belchior, eu não entendia bem naquele então. Eu sinto muito, muito mesmo, até o fim.
Se existe uma lição que aprendi e um conselho que posso dar é esse:
Um orgulho ferido é preferível a um coração partido.