Gosto de fazer caminhadas sem pretensão pelo bairro, isso me ajuda a ter ideias, conhecer melhor o comércio e as novidades e ganhar familiaridade com as pessoas locais. Tenho como um hábito quase terapêutico, especialmente em tempos de teletrabalho. Um pouco de ar fresco e luz do sol faz-se necessário.
Já vi muitas coisas nessas jornadas: equilibristas de sacola de mercado; crianças escaladoras de mangueira; cachorros em carrinhos de passeio; pedestres-zumbi fazendo streaming; viaturas de polícia estacionadas em vagas preferenciais; e muitas outras incoerências corriqueiras do cotidiano moderno.
Certo dia, passando pela calçada embaixo de uma árvore recebo o ataque de um passarinho. O bichinho, com uma voadora, deu-me uma bicada e ainda saiu cantando como quem diz: "chispa daqui!" A situação foi inédita para mim, fiquei um tanto perplexa, imóvel. Segundos depois, lá vem ele de novo: outra voadora! Sem querer comprar briga com o animal, mudei de calçada e segui meu caminho. "Talvez está apenas protegendo seu ninho, coitado", pensei.
Algumas semanas depois, no mesmo lugar, a situação se repetiu. Dessa vez, uma das testemunhas falou: "Esse passarinho é doido, vive dando bicada em mim também, não uso mais essa calçada. Até senhorinha de mais idade ele ataca!" Passei a me sentir menos mal, ainda irritada, mas pelo menos não era algo pessoal do passarinho comigo, acontecia com outros. Por outro lado, o comentário pegou mal para a reputação do passarinho... não era proteger o ninho seu objetivo; era uma violência do pardal, discricionária e aparentemente gratuita.
No mesmo dia, no trajeto de volta, por outra calçada próxima, mas em local diferente dos ataques prévios (comprovando que o problema não era ninho nenhum), sofri nova ofensa do mesmo passarinho! Indignada, encarei o passarinho. Ele ficou imóvel. Quando estava me virando, ouvi ele levantar voo, então na mesma hora deia a minha versão da voadora, fazendo um giro arremessando a bolsa para o ar, com a intenção de entrar em choque com o meu agressor e deixar uma lição.
Esperto, ele desviou, mas piou com raiva para mim, um pio estridente. Pousou e preparou novo ataque. Mais uma vez, eu me defendi. Ele novamente desviou e pousou do outro lado da calçada. Então, fui em direção a ele, para tirar satisfação e resolver de vez essa questão. Ele fugiu. Covarde! Eu segui meu caminho, sempre olhando de volta para ele, mostrando que estava de costas sim, porém muito atenta.
Que coisa! Nesses tempos até os passarinhos estão com dificuldade de gerenciar suas emoções, ofendendo pessoas a esmo, sem saber conviver em sociedade.