Eu tenho saudades de tempos que não vivi e pelos livros, apenas, conheci. O passado de anos dourados, quando as horas alongavam-se, sem a pressa eletrônica. As mensagens eram escritas em papel, à mão, chegavam pelo correio, e, mais do que palavras, traziam consigo o zelo e o capricho da caligrafia desenhada. São romances de ficção, escritos talvez por alguém como eu, que não conseguia dormir à noite, pensando em tudo que não se tem, onde não se pode estar, e na ingratidão dos amores passados.
Cansada do monólogo mental, decidi escrever prosas e versos que ninguém irá ler, porque estão todos sem tempo. Eu sei, entendo, a rotina é acelerada, quando se vê, foi-se a semana, o mês, a década… corremos desesperados em direção a ela: morte certa, ignorando a vida que passa, enquanto não estamos prestando atenção.
“Por que você perde tempo com essas coisas?” Tantas vezes já me questionaram. O tempo que se gosta de gastar não é desperdício. Essa é uma resposta muito boa, ironicamente elegante; mas, para dizer a verdade, não é minha original. Uso-a confiante, como se fosse. É uma citação traduzida dum filósofo alemão que publicava em inglês. Eu não sei falar alemão. Ele, o titular dos créditos omissos, não vai se importar com minha ousadia, já morreu. Ademais, estou mantendo vivas suas ideias, com certo ar de mistério. Das estrelas, vemos apenas o reflexo.
Cabe tanta obrigação na minha agenda, cumpro-as bem, modéstia parte. Agora, das minhas excentricidades bobas, ninguém quer saber. São inúteis. Pois eu digo: é nelas que está a essência do meu ser. Eu não sou apenas o que faço, também sou o que crio. Nem sempre as obras são belas. São quase sempre sinceras, sim, mesmo quando dissimuladas, ou desconhecidas.
“Deixando a profundidade de lado eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia…”
É, Belchior tinha razão. Essas insônias me dão uma fome, e não apenas de comida, viu? Despertam todos os desejos da carne. Hoje, a geladeira está vazia, e o outro lado da cama, também. Eu tenho medo de preencher em definitivo esse lugar, e depois mudar de ideia. Então, a vaga permanece sendo apenas temporária. Passa mais tempo desocupada, de qualquer forma.
Amanhã eu preciso ir ao supermercado, de novo. Seria melhor fazer uma lista, para a semana toda, e economizar essas idas constantes ao mercado. Era isso o que eu devia estar fazendo, afinal, não vou conseguir dormir mais. Flocão de milho, leite desnatado, ovos, margarina, maçã, cacau em pó, iogurte light, feijão, café, peito de frango, atum (sem óleo), sabão em barra, fita isolante, álcool 70%. Acho que isso resolve, até sábado.
Que horas já devem ser agora? Não vou olhar! Vou fechar os olhos e mantê-los assim até o despertador soar. Antes que eu recite todos os versos, o sono virá:
“Ora direis, ouvir estrelas! Certo
perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, [...]”
Será que eu estou ficando louca, Bilac? Não é possível, loucos não são compreendidos e eu sei que você me entenderia se estivesse aqui. Se eu for em uma sessão mediúnica, você me diz que remédio usava?
“Que, para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto…”
Eu já não me espanto mais assim, com tanta facilidade. Pensando bem, pode ser um mal sinal, devo estar perdendo a capacidade de me deixar levar por essas emoções à toa. Ah! Como eu queria ter composto este soneto, os meus são tão sem graça…
[alarme soando]
Parece mesmo que “desse jeito, eu não vou ser feliz direito”.