Ser mulher é uma condição fisiológica e social. No primeiro aspecto, jamais seremos iguais aos homens, pois nossos corpos possuem estruturas diferentes, apesar dos avanços da medicina já possibilitarem transformações impressionantes. No segundo aspecto, a igualdade absoluta também é ilusão. Nem mesmo todos os homens são iguais entre si. Igualdade de gênero, portanto, não me parece o termo mais adequado para defender no Dia Internacional da Mulher. Prefiro justiça de gênero, pois as diferenças abrem espaço para diversidade, e esta pode ser muito positiva.
A condição fisiológica das mulheres contribuiu para construção de sua condição social. Na primeira parte da obra-prima de Yuval Harari, "Sapiens: uma história da humanidade", o autor explora essa influência. Por serem fisicamente mais fracas e menos resistentes, as mulheres, nas primeiras comunidades humanas, assumiam funções próximas das vilas, onde era mais seguro. Cuidavam das crianças, dos lares e das plantações. Por sua vez, os homens partiam para caça.
Essa forma de organização contribuiu para que os homens desenvolvessem corpos e músculos mais imponentes, o que era percebido à vista. Hoje em dia, com os avanços dos estudos da neurociência, sabemos que as mulheres possuem um cérebro mais ativo do que os homens, isso quer dizer que o fluxo sanguíneo no córtex pré-frontal feminino é, em média, superior ao dos homens. Tal diferencial não é visível à olho nu, mas desde a antiguidade a astúcia e o poder de persuasão femininos são elementos presentes em romances e relatos históricos.
Em sociedades rudimentares, onde a força muscular é elemento essencial para a sobrevivência, é natural que os homens ocupem posição de maior prestígio. Assim foi durante muito tempo, até o final da Idade Média. Entretanto, a partir da Idade Moderna e dos avanços tecnológicos e sociais trazidos pelas Revoluções Industrial e Francesa, no Século XVIII, a justiça de gênero passou a ganhar espaço. Nesse momento, as mulheres começaram a ocupar posições essenciais mais visíveis na sociedade, e não apenas no ambiente doméstico e familiar.
A I e a II Guerras Mundiais impulsionaram o movimento de emancipação das mulheres. Ao passo que os homens iam para as batalhas, e muitos nunca mais voltavam, postos de trabalho precisavam ser ocupados, e apenas havia mulheres disponíveis. As campanhas "We Can Do It" e "Women's Land Army", nos EUA e na Inglaterra, respectivamente, são excelentes exemplos desse fenômeno.
Do final das Guerras Mundiais (1945) até hoje, várias conquistas foram alcançadas pelas mulheres: direito ao voto, capacidade eleitoral passiva, direito ao divórcio, proteção contra violência doméstica, controles de natalidade, combate ao estupro e muitos outros avanços. Porém, é inegável que estamos muito distantes, ainda, de um cenário de justiça de gênero.
Em muitos lugares as mulheres ainda são tratadas como propriedade dos chefes de família, homens: pais, irmãos, maridos e até mesmo filhos, em alguns casos. As desigualdades de salários, de nível de educação, de representatividade política, de inclusão financeira e digital, e de muitos outros aspectos prejudicam as mulheres. Pessoalmente, considero-me uma mulher privilegiada: nasci em um país onde existe a previsão legal de igualdade entre homens e mulheres e instituições para promover sua efetividade; sou parte de uma família que respeita e incentiva a autonomia e a independência das mulheres; tive acesso à educação de qualidade e tenho consciência dos meus direitos; possuo inserção profissional e sou valorizada no trabalho. Gosto de me referir a mim mesma como uma "mulher forte e independente do Século XXI". Apesar disso, pasmem, ainda há quem não consiga lidar bem com isso!
Reconheço que esses são privilégios garantidos apenas à minoria das mulheres. Por isso estou cada vez mais envolvida em ajudar meninas e mulheres menos privilegiadas do que eu. Nesse sentido, participei de uma pesquisa sobre políticas de empoderamento feminino para o continente africano, em 2020, e desde 2019 ajudo o Projeto Mais Arte, que promove atividades paradidáticas para meninas de 7 a 14 anos, no contra turno escolar. Em 2021 começamos o Clube de Leitura Vioridas, espero que as alunas e muitas outras crianças consigam participar.
Ter acesso a informações sobre as injustiças históricas e presentes que as mulheres enfrentam é a forma mais eficiente de conscientização e mudança de comportamento. Sabendo disso, deixo aqui uma lista de recomendações para você assistir, ler, ouvir e aprender nesta semana que antecede o Dia Internacional da Mulher.
Tenho certeza de que alguns nomes passaram pela sua mente. Proponho um desafio a você, leitor ou leitora (sim, mulheres também devem valorizar umas as outras): envie uma mensagem reconhecendo o papel que essa mulher teve para você, agradeça-a por isso e a parabenize pelo seu dia. Às vezes, saber que nossos esforços geram impacto positivo é motivação para enfrentar as barreiras da desigualdade. Algo tão simples como: "Bom dia para você, mulher que eu tanto admiro", já faz uma diferença enorme.
1) Asilo de Madalena (The Magdalene Sisters): filme que conta a história de conventos que exploravam o trabalho de mulheres condenadas a "pagar pelos seus pecados". A maior reflexão que tirei desse filme é que gênero e religião não são atestado de caráter. Durante anos, asilos na Irlanda, liderados por freiras, exploravam física e psicologicamente garotas tidas como impuras ou que foram abandonadas pelas famílias. O combate à discriminação não deve ser personificado na figura de homens "machões" ou qualquer outro estereótipo. Enfrenta-se ignorância com informação e conhecimento, não com ódio;
2) Grama, romance gráfico que conta a história das "mulheres de conforto" em territórios ocupados pelo Japão durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial. O abandono e o pouco interesse em assumir responsabilidade por injustiças históricas é de partir o coração, através do relato de uma senhora que viveu na pele o que nem mesmo nossos piores pesadelos são capazes de imaginar;
3) Land Girls, seriado que retrata a trajetória de mulheres britânicas que participaram do "Women's Land Army". Neste seriado o potencial do trabalho das mulheres é exaltado, assim como as dificuldades que elas enfrentam a mais em relação aos homens nos ambientes produtivos. As soluções que encontram para problemas práticos demonstra que a variedade de perspectivas agrega valor;
4) Entrevista de Melinda Gates à Oprah sobre o projeto e livro "The Moment of Lift", que visa alcançar soluções para desafios da agenda global por meio do empoderamento econômico feminino (em inglês);
5) Women Will, projeto do Google para capacitar mulheres empreendedoras;
6) She-Wolves, documentário sobre o papel, por muitas vezes subestimado, que poderosas Rainhas da Inglaterra tiveram na história do país e do mundo.
Além dessas obras, existem muitas outras, muitas mesmo, disponíveis nos mais diversos meios. Tentei diversificar as sugestões entre filmes, livros, seriados, entrevistas, projetos sociais e documentários para atender diferentes preferências. A informação está à disposição, consuma-a, conscientize-se e colabore.
Em meio à pandemia C-19, ficou evidente que precisamos ser mais cuidadosos e generosos, se quisermos sobreviver em sociedade. O cuidado e o carinho são características mais associadas à feminilidade do que à masculinidade. Estas são tarefas que mulheres exercem mais usualmente e há mais tempo que homens. Felizmente, um número crescente deles tem demonstrado interesse nessas nobres responsabilidades, estão aprendendo e isso é bom.
Há motivos para sermos otimistas, um mundo mais feminino, mais generoso, mais carinhoso, pode ser muito melhor. Não tenho nada contra masculinidade, ela também tem suas utilidades, porém percebo que mais homens do que mulheres precisam de pílulas de empatia, tolerância, respeito e ponderação. As contraceptivas, também, diga-se de passagem. Então, meu desejo é que o novo normal deixe de herança positiva isto: um mundo mais feminino!