Eu me lembro muito bem das primeiras semanas de aula na faculdade. Estava finalmente entrando no mundo dos adultos! Para minha satisfação, a escola que escolhi ficava em um importante edifício comercial, no centro de Brasília. Até os alunos possuíam dress code. No primeiro dia, tive aula de Introdução à Economia e adorei. Até hoje conservo o encanto por este campo de estudos. No entanto, sou formada em Relações Internacionais: um tiquinho de economista; outro de cientista política; e bastante conhecedora de histórias, reais e literárias.
Histórias foram a base da graduação e são a base da minha vida no momento. Eu amava e ainda amo ler, e como! Caloura dedicada, não ficava satisfeita em completar as recomendações bibliográficas das ementas: fazia fichamentos da maior parte. Tenho até hoje o acervo para comprovar o hábito (e muitos depoimentos e agradecimentos de colegas, usuários assíduos dos meus resumos). Em retrospecto, penso ter sido essa a motivação para me dedicar a escrita, com compromisso. Os anos universitários passaram: os amigos e os textos sobrevivem, junto com importantes lições.
Adepta da multidisciplinariedade e da intertextualidade, faço muitas conexões, aparentemente "nada a ver". O princípio da escassez, fundamental na Economia, acompanha-me até hoje em outras áreas da vida, como no cinema, por exemplo. Entre os filmes favoritos estão empatados, perto do topo, a Trilogia do Antes (Antes do Amanhecer, 1995; Antes do Pôr-do-sol, 2004; e Antes da Meia Noite, 2013). Estas obras de arte não focam na Economia nem no princípio da escassez; mas, para mim, sintetizam melhor que ninguém a ideia aprendida naquela primeira semana de aula da faculdade. Céline, protagonista feminina da trilogia, é uma espécie de alter ego.
Ela compreende a vastidão do mundo e da natureza, é encantada pela vida. Simultaneamente, reconhece a urgência de viver. Sofre a ansiedade pelo que ainda virá, e o luto por tudo quanto não viverá. Assim como os economistas elaboram fórmulas para maximizar os ganhos, devido ao princípio da escassez da Economia, Céline busca constantemente fórmulas para resolver a escassez do tempo. Ao longo do amadurecimento, do primeiro para o terceiro filme, compartilha com Jesse, protagonista masculino, suas reflexões.
Em "Antes do Amanhecer", ainda estudante universitária, desabafa, no auge dos 20 anos:
Tradução livre: Eu sempre senti essa pressão em ser um ícone forte e independente de feminilidade, sem que isso significasse uma vida em órbita de algum cara. Mas amar alguém e ser amada significa tanto para mim. Sempre fazemos piadas com isso. Porém, não é tudo o que fazemos na vida uma tentativa de ser amada um pouco mais?
Quase 10 anos mais tarde, entrando na casa dos 30, reencontra Jesse em "Antes do Pôr-do-sol". A moça em amadurecimento descobre uma resposta, num breve momento de alívio, para seus anseios. Chega na mesma prescrição do princípio da escassez da Economia: quanto menos tempo nos resta (ou menor os recursos disponíveis), maior o seu valor. Então, declara seu amor sem dizer as três palavras básicas. Ao contrário, filosofa:
Tradução livre: Eu acho que quando se é jovem, acredita-se que existirão muitas pessoas com as quais você vai se conectar. Mais tarde na vida, você se dá conta de que isso acontece raras vezes.
Finalmente, em "Antes da Meia Noite", vivendo o começo dos 40 (e na sombra da menopausa), enfrenta outra crise: o medo da morte; a inevitável finitude; a insuperável escassez. Nos últimos momentos do filme, sem saber se seu casamento irá sobreviver, nem como será sua vida dali em diante, enquanto aprecia o pôr-do-sol, encerra o longa metragem com as seguintes palavras:
Tradução livre: Ainda ali. Ainda Ali. Ainda ali. Foi-se.
Ao longo dos 20 anos (até mesmo antes), como Céline, eu pisei no acelerador, com toda força. Tinha uma lista para cumprir:
Dos 17 aos 20: Faculdade;
Dos 21 aos 22: Pós graduação e intercâmbio;
Dos 23 aos 25: Sair de casa e trabalhar;
Dos 25 aos 30: Ser a melhor profissional do ramo;
Dos 30 e além: Curtir a vida sem maiores preocupações.
... algum leitor(a) pode estar se perguntando: e casar e ter filhos, onde fica? Na época, responderia, com convicção: "Jamais!" Hoje respondo, hesitante: "Ainda não, talvez nunca, mas quem sabe?"
Fui fiel ao meu roteiro até os 20. Com 21 as coisas começaram a inverter a ordem e perdi o controle. Atualmente evito fazer listas, sem muito sucesso; porém, mais consciente e flexível do que antes. No lugar disso, dedico mais esforços em criar metas ou rotinas e segui-las, se ainda fizerem sentido.
Confesso, entrando nessa tardezinha dos 30: tenho medo, muito medo... mas ainda tenho tempo, algum tempo, e um coração que pulsa.