Obra: O Tempo e o Vento: Continente, vol. I.
Autor: Érico Veríssimo.
Ano de publicação: 1949.
Estado: Rio Grande do Sul.
Onde ler: Estante Virtual, a partir de R$ 6,00 + frete.
Érico Veríssimo é reconhecido nome da literatura brasileira. Dentre outras obras, “O Tempo e O Vento” merece destaque por ser uma série literária monumental, composta por três romances históricos, sobre a formação do Rio Grande do Sul. O título já foi adaptado para o audiovisual como telenovelas e minissérie.
O autor revela ter empreendido esse esforço para aumentar o interesse, a paixão e o orgulho de seus conterrâneos pela história de seus ancestrais. Os personagens protagonistas não se dividem em heróis e bandidos. São pessoas com interesses, vícios e virtudes, enfrentando o destino que lhes coube na vida: viver no Rio Grande.
A história da região é marcada por muitas guerras, considerando a posição geopolítica na Bacia do Prata, que se estende por Bolívia, Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina. Os mais afetados por esses conflitos são as pequenas comunidades que ocupam o território, fundadas por aventureiros desbravadores e estancieiros remotos. Essas famílias convivem com o medo constante de ataque por saqueadores e à mercê das disputas dos colonizadores ibéricos entre si, pelo direito sobre o território.
A distância da Corte do Rio de Janeiro e a falta da presença do Exército, para proteger as fronteiras e a população, geram ressentimentos na comunidade local. Isso explica o sentimento separatista materializado na Revolução Farroupilha. No entanto, os cenários dos romances não são repartições públicas, são casas de famílias; os personagens não são políticos, são pessoas comuns. Por ser um romance histórico, existem personagens reais envolvidos na trama, mas sempre em segundo plano.
O livro não é um manifesto regionalista, muito menos propaganda ideológica. Ao contrário, traça um retrato do povo do Rio Grande, com destaque para as dificuldades enfrentadas por gerações de pioneiros e o impacto das guerras na vida privada. Além disso, ainda no início da década de 1950, traz personagens femininas fortes e determinadas.
Trata-se de uma leitura longa, mas não densa. A trama cativa o leitor desde o começo. Neste momento, li apenas o primeiro volume do primeiro romance, que soma mais de 400 páginas, sem nenhum enfado. Para quem tem curiosidade de conhecer o autor, recomendo iniciar a navegar pelo universo de Érico Veríssimo com “Incidente em Antares”, antes de explorar os romances de “O Tempo e O Vento”.
Obra: Dois Irmãos.
Autor: Milton Hatoum.
Ano de publicação: 2000.
Estado: Amazonas.
Onde ler: Estante Virtual, a partir de R$ 9,99 + frete ou E-Book (oferta) por R$ 14,34 na Amazon.
Milton Hatoum é um autor amazonense já conhecido. Sua obra está sendo reeditada pela Companhia das Letras. Dois Irmãos ganhou nova roupagem em 2022; Relatos de Um Certo Oriente, em 2024. Ler autores brasileiros vivos traz a oportunidade de participar e acompanhar os movimentos da literatura por quem a faz. Em novembro de 2023, o autor foi convidado para entrevista no programa “Trilha de Letras”, da Empresa Brasileira de Comunicação. Em menos de 30 minutos, oferece um panorama de sua obra, do processo criativo e da sua experiência como leitor. Recomendo assistir no YouTube ou escutar pelo Spotify.
Dois Irmãos traz o relato da vida de uma família de imigrantes árabes em Manaus. Para fugir das guerras mundiais e dos conflitos regionais, muitas pessoas embarcaram para as Américas. A chegada desse contingente trouxe mudanças significativas para as cidades. A diversidade de etnias convivendo em Manaus chama atenção. No entanto, todo enredo tem como primeiro plano as relações familiares de Zana, mãe dos gêmeos, Yaqhub e Omar, e de Rânia.
O narrador se revela aos poucos, é um “filho da casa”, em busca da verdade sobre a sua origem. Desvenda a história a partir de relatos do velho Halim, marido de Zana; das confissões de sua mãe Domingas, criada da família; e das próprias memórias. A rivalidade entre os irmãos e o excesso de cuidado materno são os norteadores da trama. Segundo o próprio Milton, o livro é usado como inspiração para debates por pesquisas de psicologia, devido ao complexo retrato de dramas e traumas familiares que aborda. No entanto, essa não foi a intenção do autor.
O ecossistema de Manaus: seus rios, portos, barcos, chuvas e quenturas, perpassam a história. Assim como a cidade, que ao longo do tempo evolui do estilo provinciano para o de capital moderna, os acontecimentos da vida familiar vão ganhando intensidade. O fluxo de mercadorias e pessoas estrangeiras que chegam do litoral ao interior, pelo Rio Amazonas, fazem conexão com o mundo externo, ajudando a situar o leitor no tempo. O narrador, por sua vez, não sai de Manaus. Observa tudo sempre a partir do mesmo lugar: o casarão de Zana.
Conclusão
Apesar da distância geográfica entre o Rio Grande do Sul e o Amazonas, e do tempo em que acontecem as duas histórias, uma no Século XIX e outra no XXI, as duas obras trazem importantes elementos em comum. Destacarei três:
As guerras: o impacto dos conflitos armados na vida das famílias deslocadas. Sejam imigrantes em busca de refúgio; ou de comunidades locais de resistência;
As mulheres: o protagonismo de matriarcas fortes na construção do legado familiar, superando a herança patriarcal, ainda nos Séculos XIX e XX;
As desilusões: expressão de paixões intensas, sejam elas maternais, fraternas ou amorosas, pelos personagens, sem romantismo. Ao contrário, o preço do desejo, muitas vezes, é a própria tragédia.
Para finalizar, deixo dois aforismo de matriarcas importantes, um de cada romances, destacados nos textos pelos autores como síntese da sabedoria de uma vida:
Ana Terra, de O Tempo e o Vento: “Noite de vento, noite dos mortos.”
Depois de ter a família massacrada por saqueadores, Ana Terra, mulher já madura, abandona a realidade que conhece e recomeça a vida em um lugar distante, sem nunca voltar atrás. Mesmo assim, os fantasmas do passado a acompanham. Nas noites de vento, sente seus mortos mais perto e o presságio de novas tragédias. Nenhuma vitória é definitiva, a vida é uma batalha até o final.
Zana, de Dois Irmãos: “A esperança e a amargura são tão parecidas.”
A dor de ver um filho perdido e o outro ausente. Zana não desiste de reconstruir a harmonia na família. O desejo de unir os filhos a enche de esperança. No entanto, não consegue controlar o destino dos dois. Sua insistência na reconciliação, por vezes, torna a situação ainda pior, aumentando sua amargura. Sem livre-arbítrio, o amor se torna dominação.
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