Obra: A Traição das Elegantes.
Autor: Rubem Braga.
Ano de publicação: 1967.
Estado: Espírito Santo.
Onde ler: BibliOn, empréstimo grátis do livro digital.
Rubem Braga nasceu no Espírito Santo, mas se estabeleceu no Rio, onde viveu grande parte da vida. Por um breve momento, foi embaixador no Marrocos, durante o Governo de Jânio Quadros. É conhecido por suas crônicas: textos jornalísticos de não ficção. O autor faz prosa com lirismo, quase como um poeta. Observa o cotidiano com simplicidade, sem versos metrificados, rimas nem palavras difíceis, mas trata os leitores - e leitoras -, com intimidade, estilo incomum no padrão de redação jornalístico.
A desilusão e a melancolia, como espectador da realidade, é a mesma do poeta ao descrever um amor não correspondido. Ele reconhece: o mundo não vai se curvar aos seus ideais. Por isso, quem sabe, o título: traição. A realidade sobre a qual o cronista escreve não aceita autenticidade. Cabe a ele duas opções: ou se vestir/pensar seguindo o traje indicado no convite/na tradição; ou ficar de fora, sozinho, triste à própria maneira, assistindo os outros serem felizes como se deve.
A prosa de Braga é crítica, mas não ofende. Provoca o leitor a encarar uma perspectiva alternativa ao que se impõe como oficial. É uma brecha no muro, por onde se espia o vizinho. Na minha leitura, a mensagem, embutida em muitas das crônicas, é essa: qualquer ideal - político ou romântico - de felicidade e prosperidade é traidor: o objetivo é atrair admiradores, não satisfazer promessas.
Ao descrever o ofício de cronista, reconhece: “Sou como um débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanho com paciência sua marcha lenta [...] O número de estrelas cadentes é diminuto”.
Obra: Vidas Secas.
Autor: Graciliano Ramos.
Ano de publicação: 1939.
Estado: Alagoas.
Onde ler: BibliOn, aluguel do livro digital grátis. Em 2024 as obras de Graciliano Ramos entraram no Domínio Público, mas ainda não estão disponíveis para download no site oficial.
Graciliano Ramos teve uma vida interessante, nasceu em Alagoas e ainda jovem foi trabalhar como jornalista no Rio. Retornou ao Nordeste para dar suporte à família, depois da peste bubônica de 1915 vitimar quatro de seus irmãos. Lá, casou-se e iniciou a carreira política, sem deixar de se dedicar à escrita. Foi preso, acusado de apoiar a Intentona Comunista. Esse fato lhe inspirou o texto "Baleia", que mais tarde se tornaria sua obra prima: Vidas Secas. No romance, descreve a vida de pessoas simples, sem instrução, e emprega a linguagem culta. Isso não faz o texto ser de difícil compreensão. Ao contrário, a clareza é um dos elementos marcantes. Cada personagem tem seu capítulo, incluindo o cachorro de estimação da família, chamado Baleia.
O protagonismo que o animal ocupa no livro traz a seguinte provocação: O que diferencia os animais dos seres humanos, quando as necessidades mais básicas são privadas?
A resposta não está explícita, mas pode ser facilmente deduzida: a capacidade de discernir o justo do injusto. Fabiano, pai de família, inicia o romance resignado. Questiona a si mesmo: será homem ou bicho? Sofre muitos abusos de autoridade da polícia e da exploração do trabalho pelos patrões. Em casa, é rude - mas não cruel - com os filhos e se irrita com as queixas da mulher, Sinhá Vitória. Ela deseja uma cama mais confortável, ao menos para ter direito a um descanso digno. Fabiano se vê impotente em atender ao pedido e a insistência o incomoda.
A família não tem endereço fixo, foge da seca e da fome, carregando os poucos pertences pendurados no corpo e no lombo de um cavalo. Mal chegavam em um lugar, novamente eram alcançados pela miséria. Sem apelo a nenhuma ideologia nem filosofia, nenhum roteiro sofisticado, surgem personagens com os quais qualquer leitor pode criar empatia. Assim Graciliano tece sua crítica social. Descreve a realidade da desigualdade, para os quais muitos ainda fecham os olhos.
“Conformava-se, não pretendia mais nada. Se lhe dessem o que era dele, estava certo. Não davam. Era um desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma parte dos ossos? Fazia até nojo pessoas importantes se ocuparem com semelhantes porcarias.”
“Por que não haveriam de ser gente, possuir uma cama”
Conclusão
Tanto Rubem Braga como Graciliano Ramos foram homens bem instruídos, com vidas confortáveis. Não foram vítimas da sociedade nem da miséria. Mesmo sendo parte do grupo de beneficiado, não se conformaram. Fizeram suas denúncias para sensibilizar as pessoas e, quem sabe, promover alguma mudança.
É impossível mensurar o sucesso dessa missão. Quantos leitores, a partir das obras desses escritores, se tornaram mais solidárias, mais críticas? Quantos seriam suficientes para justificar o esforço? Uma apenas? Todas, somente? A literatura sobrevive, enquanto continua sendo lida. Ainda é tempo.
Em certa medida, a literatura como crítica social é parecida com a missão dos profetas: os escritores se colocam como porta-vozes das pessoas marginalizadas. Emprestam sua posição para evidenciar a realidade alheia, acima das ambições de vaidade pessoal, reconhecimento e aclamação. As respostas, na maior parte das vezes, nem precisam ser ditas, são fáceis de deduzir, mas muito difíceis de serem admitidas.
É preciso reconhecer que o discurso da meritocracia perpetua a desigualdade. Graciliano Ramos registra o sofrimento em vão da família de retirantes. Mesmo trabalhando duro, as pobres almas não têm condições de comprar uma cama confortável para descansar. Também é importante reconhecer que o Governo emprega mal os recursos públicos: os representantes políticos beneficiam mais a si próprios do que à sociedade. Rubem Braga, em muitas de suas crônicas, faz críticas e denúncias às questionáveis decisões dos governantes. A necessidade de se definir como filiado a esta ou aquela ideologia segrega a sociedade. Nenhum dos extremos está certo em tudo, nem completamente errado. Falta diálogo. Antes de mais nada, somos todos brasileiros.
Continue acompanhando a Newsletter e confira as edições passadas do Projeto Lendo o Brasil em 2025 (assine aqui, para acompanhar no LinkedIn). A cada mês serão lidos e resenhados de dois a três livros, sendo uma obra representativa de cada Unidade da Federação.
Gostou da resenha e do projeto de leituras? Ajude compartilhando com sua rede ou contribua com o investimento realizado para aquisição das obras (contato e chave: gabrielacruzbr@gmail.com).