Irineu, gaúcho, perdeu o pai com oito anos de idade. O segundo marido de sua mãe não aceitava conviver com filhos de outros homens. Por esse motivo, sua irmã mais velha casou-se bem cedo e Mauá foi para o Rio de Janeiro com um tio comerciante, para trabalhar.
O início precoce do trabalho no comércio da capital do Império permitiu que Irineu cultivasse interesse pelo aprendizado de negócios. Começou de baixo, trabalhando em troca de abrigo e comida, mas seu desempenho e dedicação chamaram atenção e em poucos anos tornou-se caixeiro de uma importante loja da cidade, a Companhia Inglesa Carruthers. O caixeiro, como o nome sugere, era o responsável pelo caixa, mas assumia também a gestão financeira do empreendimento e por esse motivo precisava ser alguém com conhecimentos técnicos e digno de confiança.
Com Carruthers aprendeu muito. Comerciante inglês, o novo patrão possibilitou que Irineu ganhasse acesso às teorias econômicas e financeiras mais recentes da época, em grande medida concentradas na Inglaterra, berço da Revolução Industrial. Além disso, ganhou fluência no idioma estrangeiro e construiu relacionamentos e reputação em meio aos comerciantes ingleses, importantes detentores de capital no Império.
Irineu passou grande parte dos anos de sua juventude trabalhando de dia e estudando à noite, incansavelmente. A recompensa veio: com apenas 23 anos de idade tornou-se sócio da Companhia de Carrutherss, que passou a chamar-se Carruthers & Cia. Com os negócios a todo vapor, Irineu adquiriu uma propriedade em Santa Teresa e levou a família (mãe, irmã e sobrinha) para morarem com ele. Para o desgosto das caçadoras de bom partido da Corte, Irineu casou-se com a sobrinha, sua fiel companheira de vida.
Desde o início da narrativa, a organização do comércio imperial chama atenção. Os empreendedores brasileiros estabeleciam relações comerciais e de crédito baseadas em critérios subjetivos, fortemente marcados pela informalidade. Essa ainda é uma característica presente na economia brasileira. Por sua vez, os comerciantes ingleses tinham uma estrutura paralela, marcada por ditos privilégios – que eram, na realidade, exigências para assumir o risco e custo de operar no Brasil. Não se submetiam, por exemplo, à justiça brasileira, tinham tribunais e autoridades próprios no Rio e seguiam as normas e códigos da Inglaterra.
O rigor contábil, financeiro e administrativo que Irineu adotou nas empresas que fundou estava mais próximo da cultura de negócios inglesa do que da brasileira. Irineu, ao longo da vida, viajou várias vezes à Inglaterra, onde realizava negócios e, quase sempre, encontrava inspiração para novos empreendimentos. O progresso da indústria inglesa e o ânimo de trazê-lo ao Brasil são evidentes nos trechos de cartas ao longo do livro. O sistema de iluminação urbana a gás no Rio de Janeiro, por exemplo, foi uma das heranças do trabalho do Visconde e Barão de Mauá para a capital do Império.
A partir da regência, a autonomia brasileira passou a ser uma das bandeiras defendidas pela classe política, em especial no tocante às exigências inglesas. Essa postura foi mantida por Dom Pedro II. O interesse nacional era definido pela aristocracia da época: os grandes fazendeiros.
Os comerciantes brasileiros não detinham grandes fortunas, como os ingleses. Irineu foi pioneiro, ponto fora da curva, ao construir grandes empreendimentos em setores não agrícolas (comércio, indústria e finanças). Portanto, os interesses dessa sub-classe de representantes do setor privado não possuía a mesma força política daquela dos latifundiários. Com a decadência do café, produtores bem relacionados politicamente migram para outros setores, por meio da ajuda e financiamento do governo, mas nem sempre com esforços particulares, a exemplo de Irineu. Essa ainda é uma tendência da economia brasileira: definição política de setores estratégicos para receber fomento.
Dentre os grandes empreendimentos de Irineu, destacam-se a aquisição e expansão da indústria naval de Ponta de Areia; a construção da primeira ferrovia no Brasil, a Estrada de Ferro Mauá, união entre o porto Mauá e Fragoso; e a fundação do Banco do Brasil.
O estaleiro Ponta de Areia foi essencial para o fornecimento de embarcações para Guerra Civil do Uruguai (1839 – 1851). O financiamento concedido pelo Brasil ao Uruguai usou como principal fonte de recursos a fortuna de Irineu. A influência do empresário na política uruguaia e a forte presença na economia platina concretizou-se nesse momento e perdurou até o final de sua carreira. Não é evidente, no livro, que o interesse pela região do Prata possuísse relação com laços de infância, visto a proximidade geográfica com o Rio Grande do Sul. Mauá mudou-se muito jovem para o Rio de Janeiro. Entretanto, sua mãe, irmã e sobrinha viveram mais tempo no Sul. Por isso, é possível especular que isso seja um dentre os incertos motivadores pessoais para os projetos na região.
A Estrada de Ferro Mauá foi um episódio marcante da vida de Irineu. No dia da inauguração, 30 de abril de 1854, Dom Pedro II concedeu-lhe o título de Barão. Construir estradas de ferro foi um dos desafios priorizados por Mauá. Além da Estrada de Ferro Mauá, ele também inciou a construção da estrada Santos-Jundiaí. Esta última, diferentemente do sucesso da primeira, acabou tornando-se fonte de disputas e conflitos entre Mauá e o governo.
Para realizar audaciosos projetos, empreendedores precisam de crédito. No Brasil imperial, entretanto, as fontes de financiamento não eram suficientes para os sonhos de Mauá. A fundação do Banco do Brasil buscou suprir essa lacuna e minimizar os custos de captação de crédito no exterior e riscos do câmbio. Sua motivação não foi a ganância frequentemente associada aos banqueiros, mas sim a criação de um ambiente favorável a prosperidade dos negócios.
Aqui, mais uma vez, as semelhanças entre o cenário econômico brasileiro imperial e atual são impressionantes. A oferta de crédito era menor do que a demanda, isso gerava juros elevados e favorecia rentistas – grandes fazendeiros e amigos da corte – em detrimento de empreendedores – em sua maioria, comerciantes. Trabalhar para redução dos juros e aumento do crédito era afrontar os detentores do poder.
Caso essa breve síntese tenha despertado seu interesse, saiba que as aventuras e lições que a obra oferece vão muito além. Recomendo a leitura. Pessoalmente, os principais ensinamentos que tirei dessa biografia foram: estudar e compreender antes, ser prudente sempre e assumir a responsabilidade quando necessário. Termino esse post com algumas citações, para provocar a inclusão desse livro na sua lista.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. 39ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. página 66, grifo da autora.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. 39ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. página 272.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. 39ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. página 293.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. 39ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. página 295.
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