Ir na padaria pontualmente às 17h para buscar a fornada quentinha antes do “rush” era tradição da minha avó, melhor companhia da infância. Depois de maiorzinha, tive autorização para ir desacompanhada na venda do condomínio comprar lanches. No ensino médio, as tortas decoradas da vitrine faziam desaparecer o troco da semana. Para impressionar amigos e “paixonites”, na faculdade arrisquei assar pães caseiros, mas isso não deu certo. Perdi a conta dos intervalos entre entrevistas e qualquer compromisso burocrático no banco ou cartório que passei na padaria. Não me orgulho em admitir que as cafeterias foram minha escolha preferida para primeiros encontros. Morando sozinha, a mercearia, no começo, era a despensa da casa; a conta no final do mês incentivou a mudança de hábitos. Hoje gosto de ir tomar um café no final da tarde, para apreciar aquela luz, meio alaranjada no verão e meio rosada no inverno, dos pores do sol no cerrado.
Já fui tantas na fila do pão. Hoje identifico essas “antigas eu”, convivendo na padaria; e também as “futuras eu”, com olhares contemplativos e compreensivos que a maturidade traz.
Imagino muitas das melhores crônicas brasileiras sendo escritas no balcão de panificadoras, confeitarias, casas de chá, cafeterias ou afins. Pense em Rubem Braga cuspindo um pingado por deixar escapar a risada: “Então a moça caiu e ralou o joelho esquerdo; estava com as pernas nuas”. Ou então, Rachel de Queiroz, na esquina da praça, saudosa: “Isso já faz muito tempo. Por duas vezes os garis da Prefeitura vieram com os seus serrotes e a amendoeira foi podada”. Quem sabe o grande Drummond estava degustando um autêntico pão de queijo mineiro ao escrever sua despedida da coluna no jornal: “Sei bem que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico etc., mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo […] Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo”.
O noticiário informa, mas as crônicas são os autênticos registros do espírito cotidiano, feitas por gente que gosta da gente e também entra na fila do pão.
Referências
O Joelho, crônica de Rubem Braga publicada em 19/7/54 no Correio da Manhã.
Passarinho Cantador, crônica de Raquel de Queiroz publicada em 22/3/47 no O Cruzeiro.
Ciao, crônica de Carlos Drummond de Andrade publicada em 29/9/84 no Jornal do Brasil.