Posicionamentos em frente às crises evidenciam uma tendência que vai além da pandemia. Trazem reflexões sobre o impacto dos estilos de liderança nos resultados organizacionais. Colocam em cheque valores tradicionais e apresentam novos desafios, que certamente irão sobreviver ao vírus.
Desde o início do isolamento social, acompanhar tendências de disseminação da COVID-19, buscas por vacinas e mecanismos de prevenção virou rotina. Dados e pesquisas científicas são as manchetes cotidianas. Incertezas surgem na mesma intensidade que descobertas inéditas, mas sem consenso. Questiona-se, então: por que a ciência é usada como fator de legitimidade? como distinguir fatos de opiniões? qual deve ser a prioridade, saúde ou economia?
Adianto que não tenho as respostas para essas perguntas. Chamo sua atenção para dois fatores: legitimidade e responsabilidade. A sociedade espera dos governantes ações para enfrentar a pandemia, é responsabilidade do Estado assumir a liderança. Para tanto, possui legitimidade para usar poderes não conferidos a outros agentes, ganhado através do voto. Políticos representam interesses sociais, não os seus próprios. Por esse motivo, conseguem instituir o fechamento compulsório do comércio e restringir os direitos de mobilidade dos cidadãos.
Por sua vez, a ciência pode ser entendida como um conjunto de procedimentos padronizados e sob constante validação que buscam a compreensão de fenômenos naturais, sociais, físicos, políticos, químicos, astrológicos, e por aí vai. Compreender os sistemas nos quais estamos inseridos é essencial para tomar decisões, resolver problemas e aperfeiçoar tecnologias. Logo, os dados científicos podem ser recursos valiosos para as lideranças obterem informações e fazerem escolhas melhores.
Qual a legitimidade da ciência? Ela não decorre de ordenamentos jurídicos tampouco de eleições. Deriva, sim, da verificação por pares, cientistas distintos, que testam, avaliam, criticam, discutem os trabalhos uns dos outros. Aqueles que sobrevivem o teste de resistência, ganham maior repercussão e aplicação.
Qual a responsabilidade da ciência? Existem códigos de ética, regulamentos técnicos específicos e requisitos (formais e informais) para determinado conhecimento ou profissional qualificar-se como científico.
Pode-se argumentar que lideranças organizacionais são agentes políticos, inclusive aquelas das instituições privadas, pois gerenciam interesses de pessoas, subjetivos, individuais e coletivos. Por outro lado, cientistas são agentes técnicos, pois trabalham com situações fáticas, passíveis de compreensão objetiva. Entretanto, existem múltiplas formas de organizações, de partidos e discursos políticos, mas não existem múltiplas formas de ciência. Se este fosse o caso, qualquer opinião poderia ser científica. A boa pesquisa científica não precisa de popularidade, sim de validação.
Em essência, as organizações distinguem-se pela sua esfera de alcance: pública ou privada. Como chefe de família, uma pessoa assume uma série de responsabilidades e também adquire poder de tomar decisões. Na vida privada, o on demand funciona muito bem. Entra na residência apenas aquilo que a/o chefe de família aceita, seja para ser reproduzido na tela da TV ou para abastecer a geladeira. É o império da autonomia da vontade individual, apesar de certas restrições.
Na esfera pública, em contrapartida, não existe tal autonomia. As vontades são subordinadas ao interesse social. Não vou aprofundar-me na definição de tal conceito, existe todo um ramo do conhecimento dedicado a fazê-lo. Certo é que, dentro de um Estado Democrático de Direito, a democracia pressupõe a participação de todos, sejam partidários de bandeiras azuis, vermelhas, verdes, roxas, amarelas ou de qualquer outra cor.
Quem decide o que entra e o que sai, o que é feito e o que se deixa de fazer, então? O povo, essa massa amorfa, contraditória e nada consensual. Portanto, não existe democracia on demand, vontades não são autônomas, as escolhas devem ser justificadas e possuir legitimidade jurídica. Não é permitido aos governantes fazerem o que desejam pelo simples ânimo individual. Decisões políticas devem ser subordinadas aos anseios sociais, às normas legais, à opinião pública, ao interesse social.