Metodologia científica é uma disciplina presente em todos os cursos de educação superior, em todos os níveis. Isto é, se você segue uma trajetória acadêmica, faz esse curso na graduação, no mestrado e no doutorado. Cursos tecnológicos ou executivos tem deixado ela de lado, por defenderem uma educação voltada para a prática e acusarem a metodologia científica de ser apenas teórica.
Perde-se muito em não compreender o poder da metodologia científica. Para não correr o risco de ser entediante com toda fundamentação histórica e filosófica em defesa dessa importante habilidade, vou usar exemplos práticos, bem familiares tanto para quem gosta de ciência como para quem não gosta (ainda).
Existe um jeito fácil que a economia propõe para diferenciar os bens desejados dos necessários. Trata-se do conceito científico de elasticidade preço da demanda.
Existe uma fórmula para calcular quão elástica a demanda (quantidade de produtos adquiridas por consumidores) de um bem ou serviço é em relação ao seu preço:
Q1 significa a quantidade vendida ao preço P1; Q2, a quantidade vendida ao preço P2.
Se você é ruim de conta, fique tranquilo, a ideia é bem intuitiva. Quanto menor a elasticidade preço da demanda, mais necessário é um bem; quanto maior, menos necessário. Na prática, isso quer dizer que se a conta de luz vem com a bandeira vermelha, você pode tentar economizar o gasto, mas existe um mínimo necessário que, independentemente do preço, você irá consumir. A demanda do serviço de iluminação possui baixa elasticidade: se o preço aumentar em uma unidade, o impacto de redução da demanda será menor do que a variação do preço. Por outro lado, se o preço do chocolate que você compra para sobremesa no self-service do trabalho dobra de preço, você para de comprar, por que ele não é tão necessário assim, ou seja, possui alta elasticidade. A demanda do consumo de chocolate possui alta elasticidade, porque o aumento de uma unidade no preço causa uma variação maior do que um na demanda.
Atenção: essa regra apenas é válida para bens e serviços normais. Bens de Gini são uma anomalia, justificada mais pela irracionalidade do comportamento do consumidor do que pela incapacidade das teorias econômicas explicarem os fenômenos do mercado. Esse fica sendo tema de outro post.
A lição que importa nesse exemplo é essa:
Bens e serviços que resolvem problemas reais são menos elásticos do que aqueles cujo desejo de consumo é menos latente (ou são necessidades criadas artificialmentes).
Portanto, a competitividade do empreendedor depende: se ele produz bens inelásticos, é melhor resolver o problema bem, mesmo que o preço fique mais alto; se ele produz bens elásticos, é melhor criar um desejo de consumo forte, pelo preço mais em conta que conseguir.
Ser inelástico é ser menos vulnerável ao comportamento dos consumidores, isso garante maior sustentabilidade (autonomia) para o negócio. Colocando de outra forma, é melhor depender da necessidade de consumo dos outros do que do desejo de consumo dos outros, para ganhar dinheiro. Porém, também é mais difícil produzir bens inelásticos, é difícil resolver problemas bem. Ganhar na meritocracia é mais árduo do que ganhar na conversa.
Autonomia e vulnerabilidade são temas que transcendem a economia. Também podem ser analisados nesse segundo exemplo, sobre estratégias de resolução de problemas.
Não é verdade que as pessoas que resolvem de fato os problemas são as mais bem sucedidas. Também não é verdade que basta ser extrovertido e bem comunicativo que tudo vai dar certo. Vou contar uma história:
Era uma vez duas irmãs, Ana e Bia. Ana era a mais velha, boa aluna, mas muito tímida e medrosa. Bia era a mais nova, companhia divertida e alegre, mas muito travessa e mandona. Ana queria muito um aparelho eletrônico bem caro e tinha vergonha de pedir de presente para os pais, pois sabia que era um desejo e não uma necessidade.
Então, ela propôs um acordo, negociou o seguinte: estudaria o máximo que pudesse para concorrer a prova de bolsa na escola. Isso iria ajudar no orçamento anual da família. Se ela conseguisse pelo menos 50% de desconto, o total economizado pelos pais seria equivalente ao dobro do preço do telefone. Portanto, ela faria jus ao aparelho eletrônico, como recompensa de seu esforço, os pais o comprariam de presente para ela. Em troca, eles economizariam com os gastos já previstos com educação. Todos aceitaram os termos.
Ana estudou bastante, mas passou em terceiro lugar na prova de bolsas. Ficou frustrada, pois isso representava apenas 30% de desconto. O aluno vencedor do concurso, muito mais inteligente do que Ana (nesse dia ela deixou de gostar dele, encerrando uma paixão platônica de anos), sequer iria estudar na escola, pois passara em outro concurso de bolsa, de outra escola melhor. Ana foi argumentar com o Diretor, disse que o primeiro colocado deveria ser desclassificado, porque não faria matrícula, e ela mereceria a bolsa de 50%, do segundo lugar. O Diretor pediu para ela registrar tudo por escrito. Ela fez isso. Ele indeferiu o recurso, mas elogiou a redação.
Os pais de Ana e o Diretor se divertiam com as tentativas da filha de obter o desconto de 50%. Isso irritava bastante a menina, ela estava tentando resolver o problema do seu desejo de consumo e todos ganhariam com isso. Os pais, que ficavam na defesa do Diretor, poderiam ajudar, no lugar de dar risada. Resignada, ela aceitou que não mereceria o aparelho eletrônico. No ano seguinte seria menos pretenciosa, negociaria qualquer valor de bolsa, sem colocar mínimo (no mercado, existe uma sigla para esse indicador de produtividade: NMS - Níveis Mínimos de Serviço, essa é uma história com metodologia científica, lembremos).
Os pais de Ana compraram o tal aparelho eletrônico de presente de Natal para filha. Ana ficou muito feliz e agradecida. Bia, ficou achando aquilo um absurdo! Afinal, Ana não tinha conseguido os 50% de bolsa e com isso falhara na sua parte do acordo.
Bia, então, passou a argumentar incessantemente, todos os dias, sobre a injustiça daquela situação. Que exemplo os pais estavam dando? Ana não cumprira sua palavra, não tinha direito de ganhar o aparelho. Para remediar a situação era necessário reparação: Bia exigia seu aparelho eletrônico também. Perturbou os pais por meses. Na data do seu aniversário, ganhou outro de presente.
Ana ganhou pelo esforço; Bia, pelo cansaço.
Lição da história:
Os pais de Ana saíram no prejuízo, pois apesar da economia dos 30% de desconto ser mais do que suficiente para aquisição de um aparelho, visto que eles ainda teriam 20% do valor do produto de economia; aumentaram o orçamento familiar anual em 80%, para comprar dois.
Quem resolve melhor os problemas: as pessoas insistentes, ou as pessoas esforçadas?
Tanto os esforçados como os insistentes resolvem problemas. A diferença é que o esforçado consegue resolver com mais autonomia; o insistente sempre vai depender de alguém desistir de ser perturbado.
Na Academia, o rigor do método científico entendia os alunos. No entanto, sem nos dar conta, teorias e conceitos científicos resolvem muitos problemas e questionamentos. Na vida privada é mais difícil aplicar o método científico.
Para evitar adotar premissas equivocadas, assumindo como verdade hipóteses não validadas, no lugar de perguntar para alguém: o que você acha que eu vou pensar disso? Provocando a pessoa a pensar como você, indague: o que te levou a tomar essa decisão?
Alerta: eu não sou economista, não confie nas minhas explanações. Sou elástica e insistente. Isto quer dizer que qualquer mudança me provoca uma reação muito maior, e sou mais chata que um pinscher.