Este verso simples do Renato Russo é muito mais do que parece ser. Com o passar do tempo, com o passar das experiências, ele vai ganhando peso. Revela uma verdade tão evidente quanto ignorada.
Mentiras que contamos a nós mesmos são uma espécie de filtro cor-de-rosa que consciente ou inconscientemente usamos em discursos, argumentos, pensamentos, e todas as demais formas de expressão. Esses filtros amenizam a realidade, são anestésicos, mas com efeitos colaterais relevantes. Identificá-los é um exercício constante e nunca termina.
Seguem abaixo cinco exemplos de mentiras auto contadas, ou filtros cor-de-rosa, com sua respectiva trilha sonora:
Nem todo esforço é reconhecido ou recompensado e não precisa ser. Isso não significa que ele não possui valor ou é dispensado. Os benefícios do esforço são o crescimento e a experiência. Pessoas esforçadas, quase sempre, aumentam sua capacidade de agir, isto que dizer que ampliam seu horizonte de possibilidades, não que vão obter sucesso ou realizar seus sonhos. "O que se leva dessa vida é o que se vive, é o que se faz. Saber muito é muito pouco 'stay will', esteja em paz."
Ouça Pontes Indestrutíveis, do Charlie Brown.
O amor provavelmente é a variável que mais agrega valor à vida humana e também o maior risco que corremos. Amar e ser amado é uma experiência viciante. Porém, por maior que o amor seja e mesmo que seja recíproco, nem sempre ele será suficiente. Neste tópico, o destino e a sorte são muito mais influentes do que qualquer conselho ou teoria. "De cada amor tu herdarás só o cinismo. Quando notares, estás a beira do abismo. Abismo que cavastes com seus pés." Todos nós cavamos nosso próprio abismo, a cada passo em direção à cova.
Ouça O Mundo é um Moinho, de Cartola.
Não ter tempo é eufemismo para não assumir nossas escolhas. Em última análise, a única coisa que realmente possuímos é o tempo. Pode-se ser a pessoa mais rica do mundo e mesmo assim não é possível acessar um estoque inesgotável de tempo. Ele passa e acaba para todos. Certamente o dinheiro permite economizar tempo, quem o tem pode deixar de fazer o que não quer e pagar outros para fazer, mas uma hora o tempo acaba. Então, quando nós mesmos ou outro alguém diz que não tem tempo, provavelmente o que não se tem é interesse ou prioridade. "Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo, temos todo tempo do mundo."
Ouça Tempo Perdido, de Legião Urbana.
Ser ignorante é não saber, isso tem um preço alto. Somos responsáveis por nossas escolhas: se confiamos nas pessoas erradas, em fontes ilegítimas, em dados falsos para tomar decisões, a culpa é nossa. Isto também quer dizer que a pessoa que paga para alguém fazer algo que ela não sabe, ou decidir no seu lugar, na verdade, está do lado mais vulnerável da negociação.
Várias vezes já ouvimos ou dissemos, com ar de autoridade: "eu estou pagando, então tem que ser do meu jeito". Ou então, dizemos ou ouvimos de outros, mesmo que com boas intenções: "sabe o que eu planejei para você?"
Se a pessoa está pagando e está insatisfeita, exigindo que alguém resolva o problema para ela, é porque ela mesma é incapaz de fazer isso sozinha. Quanto maior o nível de irritação e a raiva, mais fracos são os argumentos. "Vem vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer."
Da mesma forma, não se pode fazer planos por outrem. Faz-se planos para si, incluindo outros. O jeito certo de comunicar isso é: "tenho uma proposta para você avaliar." Além de demonstrar mais respeito pelo direito de decidir do outro, deixa mais claro quem está pedindo e quem está sendo requisitado.
Coagir pessoas a agirem contra sua vontade, ou contra seus interesses e valores, é opressão. Não aceite isso, nem seja assim. Ouse saber.
Ouça Para Não Dizer Que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré.
Esse filtro é difícil de remover. Ele traz esperança, alimenta a motivação, e com isso agimos mais passionalmente do que racionalmente. Apesar de triste, não é verdade que no final tudo dá certo. No final, tudo acaba. "Vivendo e aprendendo a jogar. Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar." Porém, mesmo que não dê certo, mesmo perdendo, a partida (sim, entenda essa palavra no duplo sentido: partida de um jogo e partida como o oposto de chegada) pode ser divertida.
Ouça a última música Aprendendo a Jogar, interpretada por Elis Regina.