Os protagonistas de conflitos internacionais são cada vez mais corporações do que agentes políticos e Nações. As recentes oitivas das gigantes tecnológicas no Congresso Estadunidense (Facebook, Amazon e Google); os ataques do Presidente Trump, ameaçando banir o Whatsapp na China (no lugar de ameaças militares e comerciais, mais "tradicionais"); e as tentativas de banir o popular TikTok nos EUA são alguns dos mais recentes exemplos dessa tendência. Não chegamos no final da história, onde a dominância das potências ocidentais seria incontestável. Vivemos, sim, em um sistema internacional multipolar, ainda mais do que isso, em um sistema internacional multipolar e multiagente.
Uma das primeiras obras que li quando entrei no curso de Relações Internacionais foi "O Homem, o Estado e a Guerra", de Waltz. Hoje em dia acredito que existam outras esferas de análises para os internacionalistas além dessas três, porém, a corporativa é a mais relevante, ausente no radar do realismo clássico original. As empresas multinacionais são produto da crescente globalização, assim como são os Organismos Não Governamentais Internacionais e as Organizações Supranacionais. A soberania, conceito central para a tradição dos estudos de Ciências Politicas, cede gradativamente seu lugar para o controle e acesso às tecnologia de informações. Sobre a permanência da guerra, receio que os realistas estiveram certos, desde sempre.
Estou convencida do poder e da influência das gigantes da tecnologia na política internacional, embora acredite que as verdadeiras "Super-Corporações" sejam outras, menos presentes no noticiário político, apesar de tão relevantes (ou mais) em poder econômico e abrangência. São elas as operadoras financeiras do mundo digital, em especial: Visa, MasterCard e Amex. Sem o serviço prestado por elas, as gigantes da tecnologia não teriam rentabilidade nem operabilidade, apenas custos.
Além disso, elas são muito mais abrangentes, não se limitam ao setor de mídias sociais ou comércio eletrônico; já fazem parte do varejo, do mercado financeiro, imobiliário, serviços, enfim, difícil pensar em um setor que não utilize seus serviços. Em troca de milhas, benefícios exclusivos e privilégios elas lutam pela fidelidade dos clientes. Ainda assim, a fidelidade, nesse modelo de negócio, não implica exclusividade: um mesmo indivíduo ou negócio pode ser cliente fiel de mais de uma delas, e normalmente o são.
Alguns dados do relatório do Banco Mundial sobre inclusão financeira confirmam essa tendência (The Global Findex Database 2017):
Em 2017, 69% dos adultos (+15) possuem uma conta bancária;
Contas Mobile aumentaram expressamente na África Subsaariana desde 2014 (aumento de quase 100% desde 2014, em 2017, 21% dos adultos possuíam uma conta financeira);
Ainda existe muito espaço para crescimento, especialmente na Ásia. No mundo, ainda existiam 1,7 milhões de adultos sem uma conta financeira em 2017;
76% dos que possuem uma conta, utilizaram serviços financeiros digitais em 2017;
2/3 dos adultos sem contas financeiras possuem um aparelho celular, especialmente na Ásia (novamente) em 2017.
Segundo dados da Statista sobre 2019, os valores acima são o número de transações intermediadas pelas empresas de cartões de crédito. Vale lembrar, esses dados correspondem apenas a quantidade de transações, não ao volume em dinheiro. Não é difícil imaginar que o volume transacionado por essas companhias são maiores que o PIB de grandes economias, como Brasil, por exemplo.
Mais importante de quem você segue ou o que você publica nas mídias sociais é onde eu, você e até mesmo as gigantes da tecnologia guardamos e como gastamos nosso dinheiro!