Quando recém graduada em Relações Internacionais, entre 2015 e 2016, contribui com alguns artigos no blog e-Internacionalista, criado por Patrícia Huber. Na época estava fazendo uma pós-graduação em estudos diplomáticos. Ao final de cada disciplina era necessário elaborar uma breve redação argumentativa sobre as questões de reflexão propostas pelos professores. Esta série "túnel do tempo" resgata esses escritos, pois o blog da Patrícia foi descontinuado, infelizmente.
Hoje a China é uma grande potência no comércio internacional, mas essa foi uma transformação recente. A economia do país permaneceu por muito tempo atrasada em relação ao mercado exterior. Pelas dimensões geográficas, o controle de toda a extensão do território era um dos principais desafios para os governantes impedirem o surgimento de outras lideranças.
Desde a China antiga até o período imperial, várias dinastias disputam o poder. A partir de 1911 surgiram as principais iniciativas republicanas, com o governo provisório republicano constituído após morte do imperador e sucessão por sobrinho de 2 anos (Dinastia Qing). A fragmentação política e a ausência de um grupo político suficientemente forte em todo território impediu o sucesso do projeto republicano. Para agravar a crise política, a China entrou em conflitos com Japão. Então, a expulsão dos estrangeiros do país se tornou prioridade em relação ao desejo republicano (II Guerra Sino-Japonesa).
Os dois principais grupos chineses que lutavam contra o império e a favor da república eram o Partido Comunista Chinês - PCC e o Kuomintang. O líder deste último - Sun Yat-Sen – morreu em 1925, garantindo ao PCC maiores chances de ocupar o poder. Os conflitos domésticos com os grupos republicanos; e os internacionais, principalmente com o Japão, enfraqueceram ainda mais o governo do Império. Em meio ao enfraquecimento das lideranças e instituições políticas para contornar a crise, as condições para a revolução de 1949 e formação da República Popular da China se tornaram favoráveis.
O principal desejo dos republicanos era o desenvolvimento do país, principalmente a modernização da agricultura e a industrialização. Grande parte da população era camponesa e vivia em condições de miséria. Essas ambições foram frustradas em um primeiro momento após a revolução. Com a ascensão de Mao Tse Tung e a posterior efetivação da Revolução Cultural, alguns poucos avanços realizados em relação à modernização do país sofreram drástica regressão.
Depois do auge da Guerra Fria, na fase conhecida como détente, "pausa" em francês (1963 - 1979), a ideologia socialista se enfraqueceu internacionalmente. A URSS retirou o apoio antes garantido a China durante o período de auge do conflito (1950 - 1962). Quando Mao morreu, em 1969, a Revolução Cultural chegou ao fim. Então, um governo mais progressista assumiu o poder, liderado por Deng Xiaoping. Duas principais políticas adotadas por ele favorecerem o crescimento da China: “as quatro modernizações” e abertura gradual da economia para investimentos e instalação de empresas estrangeiras.
As quatro modernizações tinham como objetivo principal a descentralização da produção em relação ao Estado. Os agricultores passariam a ter a possibilidade de vender os excedentes das colheitas, após a venda de cota compulsória para o governo. Isso incentivou o aumento da produtividade. As empresas estatais ganharam mais autonomia e responsabilização por suas atividades. Dessa forma, adquiriram maior liberdade de atuação, apesar de permanecer vinculadas a certas diretrizes do Estado.
Por sua vez, a abertura paulatina do mercado chinês atraiu investimentos estrangeiros na região. Fortes atrativos como mão de obra barata, fiscalizações pouco rígidas e autoridades subornáveis, somadas ao grande mercado consumidor, fizeram brilhar os olhos das companhias internacionais. Com a entrada de capitais no país e constante crescimento da economia, o PCC até hoje se legitima no poder, apesar de enfrentar grandes desafios, como o elevado grau de desigualdade (situação crítica para um regime socialista cujo um dos principais objetivos é a justiça social e maior igualdade).
A China divide opiniões. É inegável a presença global e peso da economia no mercado internacional, conquistada em muito pouco tempo, se comparado às demais potências comerciais. No entanto, as condições de trabalho e o regime político de partido único se distancia do modelo republicado observado no ocidente. Recomendo a leitura de dois livros, que trazem visões complementares para uma reflexão crítica:
1) The New China Playbook: beyond socialism and capitalism, de Keyu Jin. Este livro ainda não foi traduzido para o Português, mas a autora fez uma apresentação das ideias no TED 2023, disponível neste link.
2) As Garotas da Fábrica, de Leslie T. Chang. Há também um TED sobre as ideias trazidas neste livro, de 2012, assista clicando aqui.